Particularidades da Doença Psiquiátrica do Idoso
O Inverno Demográfico, uma hipótese apresentada por Gérard
François Dumont para caracterizar o fenómeno do envelhecimento populacional em
muitos dos países do mundo, incluindo Portugal, baseia-se na diminuição
progressiva da taxa de fecundidade e na manutenção de uma taxa de mortalidade
baixa. Morre-se, pois, cada vez mais tarde e o número de nascimentos tem sido progressivamente menor.
As projeções da estrutura populacional evidenciam uma tendência ao
envelhecimento demográfico em todos os estados-membros da União Europeia. Em
Portugal, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística e dos últimos
Censos, entre 2011 e 2021 verificou-se uma diminuição da população em todos os
grupos etários, com exceção da população idosa, onde ocorreu um crescimento de
20,6%.
Prevê-se que o número de idosos seja cada vez maior e na categoria
da idade superior aos 80 anos o crescimento será particularmente acentuado. Em
2018, esta faixa etária representava 6,3% da população portuguesa. Em 2050, de
acordo com o Eurostat, esta proporção atingirá os 13,2% e, comparando com
outros países da Europa, apenas Itália estará pior.
Não só o número de idosos está a aumentar a um ritmo galopante,
como também o índice de dependência é cada vez mais acentuado. Desta forma, as
preocupações acerca do envelhecimento devem não só incluir as suas
consequências biológicas, mas também as sociais. De facto, a inversão da
pirâmide demográfica suscitará múltiplos desafios e exigências a nível
individual e coletivo, com um impacto socioeconómico profundo. O desequilíbrio
etário propiciará a insustentabilidade dos sistemas de pensões, pressionará sistemas de saúde anacrónicos e ineficientes e aumentará a vulnerabilidade social.
Do ponto de vista psicológico e da saúde mental, os idosos
apresentam particularidades e vulnerabilidades próprias. Segundo dados
oficiais, Portugal é um país com uma elevada percentagem de patologia
psiquiátrica. O primeiro Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental
realizado em 2013 revelou que um em cada cinco portugueses tem ou já teve um
problema de saúde mental diagnosticado e que cerca de 15% dos adultos com 60 ou
mais anos padece de uma perturbação psiquiátrica. Contudo, porque há
frequentemente uma desvalorização das queixas e uma falsa perceção de que uma
saúde mental mais frágil é o resultado natural de uma doença física ou uma
consequência normal do envelhecimento, os problemas de saúde mental nos idosos
são frequentemente ignorados e não tratados.
No idoso, as patologias psiquiátricas mais frequentes são as
perturbações de ansiedade, as perturbações depressivas e os quadros demenciais.
A psicopatologia em idades mais avançadas é frequentemente o resultado da
interação complexa entre diversos fatores ambientais e biológicos, entre os
quais: comorbilidades médico-cirúrgicas que deterioram a qualidade de vida e
agravam o risco e o prognóstico de doenças psiquiátricas, isolamento social,
vivências de luto, dor crónica e a perceção individual da perda progressiva de
capacidades e do aumento da dependência de terceiros.
Assim, tal como a manifestação clínica dos quadros psiquiátricos é,
regra geral, resultado de uma complexa interação de fatores, também o
tratamento deve ser baseado numa abordagem holística, biopsicossocial. Ou
seja, a prevenção e o tratamento das perturbações psiquiátricas do idoso não se
devem limitar à farmacoterapia, mas implicar quer medidas a montante de
promoção de hábitos de vida saudáveis desde tenra idade, quer medidas a jusante
que incluam a melhoria da rede social de suporte, o incentivo à frequência de
atividades ocupacionais, a estimulação cognitiva e a mobilidade e a interação
social. O envolvimento da família e de cuidadores de confiança é, na maioria
dos casos, absolutamente essencial para o sucesso terapêutico.
Em suma, as perturbações psiquiátricas do idoso deverão ser
abordadas pelos prestadores de cuidados de saúde e pelos decisores políticos
tendo por base um modelo de intervenção multidimensional, com enfoque na
prevenção da doença e promoção da saúde, na melhoria da qualidade de vida e na preservação
da autonomia e da dignidade da pessoa idosa.
Revista Infopharma, Associação de Farmácias de Portugal, Janeiro de 2025