Herói? Nunca fui, não sou e não quero ser.


No artigo de opinião intitulado “A Profissão Médica”, publicado no Observador a 12 de março de 2021, já sublinhei que um Médico exerce uma profissão legalmente regulada, com deveres e direitos. Contudo, em face da degradação contínua a que venho assistindo desde há anos da profissão médica, sinto-me compelido a abordar de novo o assunto

No cartão da Ordem dos Médicos lê-se a seguinte citação: "A saúde do meu doente será a minha primeira preocupação". Não, lamento. A minha saúde é a minha primeira preocupação. São estas afirmações que enraízam na opinião pública a ideia da Medicina como um sacerdócio e não como uma profissão. Ao alimentarmos (nós, médicos) esta romantização completamente despropositada, colocamo-nos à mercê da demagogia e do ataque aos nossos direitos laborais. É surreal e degradante uma classe profissional, por exemplo, aceitar ser obrigada a horas extraordinárias ou ter aceitado passivamente que os médicos ficassem impedidos de sair do SNS durante a pandemia! É pormo-nos a jeito para que, paulatinamente, nos usurpem de direitos mínimos de dignidade pessoal e profissional.

Os atos superrogatórios não são exigência do exercício da Medicina. Enquanto não assumirmos definitiva e reiteradamente que exercemos uma profissão de elevada exigência, merecedora de respeito, da devida compensação remuneratória (sim, queremos e merecemos ganhar bem, não há que ter receio de assumi-lo), de condições de trabalho dignas (de segurança e outras) em quaisquer circunstâncias (normais ou de excepção, como uma pandemia), o caminho da degradação profissional e da qualidade da medicina continuará. 

Urge dizer não à cultura de sacrifício que ainda grassa por aí e defender uma cultura centrada na qualidade de vida e no respeito.

Não há profissionais suficientes para garantir o funcionamento dos serviços? Cabe aos Governos o dever de organizar devidamente o Sistema de Saúde, tornando-o eficiente sem o recurso a horas extraordinárias (que devem ser excecionais e opcionais) e à exaustão dos profissionais e tornar a profissão remuneratoriamente atrativa para a dedicação exclusiva (que deve, em todas e quaisquer circunstâncias e no âmbito da liberdade e do respeito pela dignidade pessoal que devem imperar numa democracia, ser opcional). É isto que se faz em países evoluídos por essa Europa fora.  Não é preciso inventar a roda. É só saber copiar os bons exemplos e refiná-los, se necessário.

O que ganharam, afinal, os “heróis” da pandemia? Desrespeito, ainda durante a pandemia e depois da onda demagógica inicial em que granjearam desse epíteto, lápides, exaustão e desalento. Notícia de 23 de novembro de 2021: “Mais de 400 médicos saíram do Estado desde o fim do estado de emergência”.

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