Conto: O Hipocrital

 Era uma vez, numa galáxia não muito distante, o Hipocrital, um planeta suspenso num pêndulo temporal. Tartufar era uma região temperamental endémica de Hipocrital. A maioria dos autóctones de Tartufar, os tartufos, reunia traços singulares do espectro caracterial transversal à sua espécie. Eram personas espabiladas perante interesses próprios, provincianas, intriguistas, invejosas, trapaceiras e propaladoras de afectos sufocantes. O assistencialismo e o controlo “big-brotheriano”, castradores de uma autonomia afectivo-intelecto-profissional sagaz, eram os dogmas abraçados com deleite.

 Os tartufos dissimulavam diariamente desconhecer a norma de actuação tabífica e desculpabilizavam permanentemente opacidades perpetradas tendo por base uma perspectiva puramente pessoal da gravidade das mesmas e/ou a natureza da sua relação com os praticantes de tais opacidades. Por vezes, talvez por necessidade de expurgar momentaneamente o sentimento de impunidade, surgiam uns bodes expiatórios, uns pobres tartufos que nada tinham feito de diferente dos outros para além de os terem arreliado. Fingia-se então surpresa e incredulidade perante o escândalo sobejamente conhecido e aceite normativamente no quotidiano. Depois, continuava-se como dantes, sob a mesma máscara de virtudes e amálgama temperamental… As excepções no seio dos autóctones, os probos, existiam conscientes da sua conivência com o sistema, receosos de represálias e descrentes na mudança. Uns teimavam em continuar em Tartufar, construindo a felicidade por conformação às circunstâncias. Outros decidiam partir para outras paragens, viajando interplanetariamente para longe do charco enlameado e imutável que era o Hipocrital…

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