Democracia ou Ditadura do Politicamente Correcto? Democracia.
Um dos maiores perigos da Democracia é a possibilidade de um ditador ser
legitimamente eleito. Valerá a pena correr esse risco? Reconhecendo sem
subterfúgios de qualquer espécie as idiossincrasias do Ser Humano, não tenho
dúvidas que sim. Como disse um dia Winston Churchill, explicando de forma
simples a inalcançabilidade de um regime perfeito, "a democracia é o pior
dos regimes, à excepção de todos os outros".
A democracia é o desafio hercúleo de vivermos livres, respeitando as
normas de um Estado de Direito e convivendo com a diferença de opinião, por
mais abjecta que esta possa ser. A melhor forma de contrariar extremismos não é
transformá-los num tabu, da mesma maneira que, por exemplo, não se contribui para
a prevenção do suicídio evitando falar sobre o assunto. As ideias radicais e
déspotas combatem-se com as ferramentas que a própria democracia nos
disponibiliza, tais como: (1) avivar permanentemente a memória colectiva dos
regimes que corporizam (e corporizaram) o autoritarismo e suas consequências;
(2) educar desde tenra idade para o respeito pelos direitos humanos
fundamentais como pedra basilar de uma civilização evoluída; (3) responder (através
de uma democracia transparente, livre, próspera, solidária e meritocrática) às
necessidades dos povos; (4) desconstruir maniqueísmos ideológicos promotores de
sociedades polarizadas e de estereótipos e preconceitos de que a solidariedade
e o despotismo são patrimónios exclusivos de determinados quadrantes
partidários; (5) edificar uma sociedade culta, com uma literacia versátil,
civicamente participativa e dotada de maturidade e capacidade críticas; e (6)
sancionar devida e proporcionalmente todas as prevaricações que intentem contra
o quadro legal do Estado de Direito Democrático.
Proibir ou estabelecer "cordões sanitários" a princípios
velhacos recorrendo à subversão de mecanismos constitucionais ou a bem de uma
Moral Superior é mais perigoso do que permitir a manifestação sem rebuço de
quem defende derivas desumanas. A imposição de “leis da rolha” corrói e
adultera a verdadeira democracia (que deve assentar na pluralidade de opinião e
na soberania do voto) e estabelece uma liberdade condicionada, o primeiro passo
para precisamente o que se pretende evitar: uma ditadura. Por outro lado, o
foco mediático excessivo e pessoalizado nos protagonistas que dão voz aos
movimentos extremistas escamoteia a necessidade de aprofundar o mais
importante, ou seja, identificar as razões que mobilizam tantos eleitores a legitimarem
essas correntes tirânicas e agir para as descredibilizar através de respostas
assentes na correcção das deficiências do sistema. Várias entrevistas, debates
e artigos de opinião chegam a ser confrangedores e contraproducentes pela forma
crispada, inquisitória e irracional como tentam encurralar e desacreditar os
líderes desses movimentos que, por via de uma postura e linguagem demagogas e
messiânicas, se vitimizam e alimentam na opinião pública a ideia de que são
assim tratados porque estão a ser incómodos ao revelarem as depravações do sistema.
Assim conseguem, com maior ou menor facilidade consoante a insatisfação e
capacidade crítica da população, angariar séquitos.
É preciso também dizer que no seio desta crescente polarização há os que
verdadeiramente acreditam nas barbaridades autocráticas (disfarçadas pelo
epíteto “anti-sistema”) que proferem e os que o fazem simplesmente por
oportunismo pessoal. Os primeiros são conscientemente perigosos, os segundos
apenas (e não é de somenos) imprudentes e idiotas. Diferenciá-los, embora muitas
vezes difícil, é importante.
Em suma, apenas identificando e corrigindo as imperfeições das respostas democráticas
aos anseios dos povos se poderá prevenir o florescimento e a normalização dos extremismos
que atentam contra o Estado de Direito Democrático e os Direitos Humanos. A solução
não pode incluir a possibilidade de uma espécie de Ditadura aceitável do
“Politicamente Correcto”. O tratamento de escolha deve ser, em qualquer
circunstância, a Democracia, com toda a responsabilidade e riscos que ela
inclui.