Mudar para ficarmos melhor

 https://drive.google.com/file/d/1mxKjofGSYFr_thyWKGGOJmUKLhmid6fi/view?usp=sharing




Errar é humano. Não há quem não erre pelos mais diversos motivos: desinteresse, incompetência, irreflexão e/ou fragilidade emocional. Assim sendo, o importante será ter a capacidade de reconhecer o erro, aprender com ele e evitar repeti-lo. Poderemos, portanto, afirmar que errar é normal e, até, essencial para o crescimento e fortalecimento de um ser-humano.

                O problema é quando os mesmos erros são cometidos repetida e ciclicamente, muitas vezes de forma consciente e dissimulada, para servir interesses particulares à custa de outrem e sem as respectivas e proporcionais consequências para quem os pratica. Este tem sido, infelizmente, um padrão de funcionamento em Portugal desde há várias décadas.

                Numa primeira fase, pós-revolução dos Cravos, depois de um período conturbado, um governo maioritário liderado por Aníbal Cavaco Silva implementou um conjunto de reformas estruturais profundas, construindo uma economia social de mercado, com reconhecidos benefícios para o Pais, e possibilitando a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia. Contudo, depois deste início auspicioso, o espírito reformista esmoreceu e pouco se tem concretizado de relevante relativamente às necessidades que o País tem apresentado para se constituir como uma sociedade próspera e sólida no contexto internacional. As visões estratégicas e os programas partidários em geral tornaram-se pouco ambiciosos, eleitoralistas (talvez porque de outra forma seja muito difícil ganhar eleições…) e reféns de fenómenos como o nepotismo. O Partido Social Democrata, por sua vez, não mais conseguiu ter a estabilidade necessária para governar e reformar como deve ser seu apanágio. Tal aconteceu, por um lado, por culpa própria, como, por exemplo, no caso do Governo Durão Barroso/Santana Lopes, e por outro lado, em consequência da desastrosa governação socialista que viria a determinar a intervenção externa da chamada Troika. Finalmente, em 2015, a legítima negociata parlamentar à esquerda determinou que o partido vencedor das eleições não governasse e condenou o país a rumar para um modelo de sociedade popularucho, mas frágil, ilusório, big-brotheriano e estatizado.

                Assim, após décadas desperdiçadas, continuamos um país pobre, afundado numa dívida descomunal e sem qualquer resiliência de relevo a crises sócio-económicas cíclicas, independentemente da sua natureza. Enquanto não formos capazes de produzir riqueza sustentável e o mais resistente possível a períodos turbulentos nada mudará de substancial. Uma economia com uma robustez estruturalmente edificada à custa de actividades voláteis, como o turismo, não nos tornará certamente menos vulneráveis. Por outro lado, a contínua promoção do assistencialismo e da dependência do Estado, asfixiando a autonomia e a responsabilidade individuais, desincentiva a livre iniciativa e o empreendedorismo e acrescenta estagnação e custos à Economia. O Estado nunca deverá deixar de exercer um dos seus papéis fundamentais: a protecção dos mais frágeis e desfavorecidos. Porém, seria preciso perceber definitivamente que, ao contrário do que a visão ideologicamente maniqueísta vigente tende a afirmar, a solidariedade não é uma preocupação e um património exclusivo de um qualquer quadrante partidário. Esta crença torna muito difícil ganhar eleições com uma estratégia não eleitoralista e reformista onde prevaleça a preocupação em construir uma sociedade o mais meritocrática possível através de um equilíbrio entre liberdade, igualdade e solidariedade.

                O que seria, então, preciso para definitivamente transfigurar as deficiências que nos acompanham cronicamente? Obviamente, sendo o problema multifactorial, seria muito redutor limitar a solução a apenas uma necessidade. Mas, há uma que me parece imprescindível: melhorar os alicerces sobre os quais as nações se erguem, ou seja, a forma de ser dos seus povos. Teríamos de reconhecer, sem complexos e sem receios, as deficiências que fazem parte do nosso âmago enquanto povo e que têm sido areias na engrenagem para a construção de um país sólido e próspero. O comportamento humano é um espectro, pelo que em todos os países existem pessoas de índole semelhante. Contudo, a forma de ser de um povo e a sua identidade resultam, sobretudo, de um conjunto de comportamentos e traços caracteriais que, estabelecendo-se como regra, condicionam a forma da sociedade funcionar. Admitamos, sem o chauvinismo bacoco com que algumas vezes o vejo afirmar, que, apesar do conceito de Benevolência e seus limites se revestirem de uma certa subjectividade cultural, somos pessoas maioritariamente de Bem. Não obstante, esta assumpção não nos deveria impedir de identificar, sem tabus, determinadas deficiências e traços culturais impeditivos das mudanças estruturais necessárias, tais como: (1) uma escassa maturidade cívica; (2) uma capacidade crítica e uma literacia pobres para domínios importantes; (3) o hábito de aceitar desinteressadamente e com ligeireza atropelos éticos, civis, legais e democráticos vários; ou (4) o costume de culpabilizar os outros pelo mal que nos atinge.

Em suma, somos uma população ainda muito desinformada e com idiossincrasias culturais pouco abonatórias para um cumprimento zeloso generalizado de pressupostos essenciais para uma democracia transparente e um desenvolvimento sócio-económico sólido.

                Só encarando a nossa forma de ser de forma honesta e descomplexada poderemos agir para produzir as mudanças profundas de longo-prazo essenciais para a edificação progressiva (e intergeracional) de uma sociedade justa, solidária, livre e meritocrática.

Continuar a não enfrentar a realidade por ignorância, será grave, mas desculpável. Fazê-lo propositadamente por oportunismo ou desinteresse, é lamentável e um permanente travão à mudança. 


Mensagens populares deste blogue

Herói? Nunca fui, não sou e não quero ser.

A Profissão Médica

A democracia está sob ataque?