As Leges artis numa Emergência Sanitária

  


  A liberdade ideológica e de participação política está constitucionalmente consagrada. Desta forma, a generalidade dos cidadãos, médicos incluídos, têm o direito de integrar as demais associações e cargos político-administrativos. Contudo, defender, legitimamente, um modelo social e económico de acordo com uma ideologia pessoal é diferente de, numa situação de emergência sanitária, um médico proferir declarações ou propor estratégias que deixam no ar a sensação de uma ausência da independência desejável relativamente ao poder político e/ou de uma aparente “secundarização” de princípios clínico-científicos elementares. Mesmo quando não exista, ainda, uma evidência científica robusta relativamente aos métodos mais adequados a aplicar, o bom-senso clínico deve imperar e o conhecimento até então existente de medidas eficazes para problemáticas relacionadas e de dados preliminares científicos promissores, deve nortear, de forma prudente e preventiva, o aconselhamento clínico-científico e a tomada de decisão. Também, na eventualidade dos recursos desejáveis, humanos e/ou materiais, serem insuficientes, escamotear a realidade sob o pretexto de evitar um pânico social indesejável não deve ser nunca parte da solução. Dever-se-á, antes, desde o primeiro instante, comunicar de forma difusamente esclarecida e transparente, assumir pública e sinceramente as limitações existentes, produzir orientações baseadas em critérios rigorosos que as contornem ou mitiguem e planear antecipada e adequadamente à medida que o conhecimento científico progrida e que a aprendizagem relativamente ao que aconteceu ou está a acontecer in situ ou noutros locais solidifique. Assim se constrói a credibilidade e a confiança necessárias perante as populações (aumentando a probabilidade de uma adesão massiva às regras propostas) e a independência fundamental face ao poder político (sem prejuízo, obviamente, de uma colaboração estreita, harmoniosa e sinérgica na esfera das funções a que cada um compete).

  Em circunstâncias em que as leges artis são imprescindíveis e determinantes para decisões político-administrativas responsáveis, o médico, independentemente do cargo que ocupe, não as pode secundarizar e deve:

- (*) no exercício da sua profissão, e na medida que tal não conflitue com o interesse do seu doente, proteger a sociedade, garantindo um exercício consciente, procurando a maior eficácia e eficiência na gestão rigorosa dos recursos existentes;

- (*) tomar decisões ditadas apenas pela ciência e pela sua consciência.

- (*) prestar os melhores cuidados possíveis no condicionalismo financeiro existente, mas sem, em função deste, realizar ou prescrever o que considere deletério para o doente.

- (*) exercer a sua profissão em condições que não prejudiquem a qualidade dos seus serviços e a especificidade da sua ação, não aceitando situações de interferência externa que lhe cerceiem a liberdade de fazer juízos.

(*) Regulamento n.º 707/2016 - Deontologia Médica


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