A Prisão Perpétua é um retrocesso civilizacional (menos para os doentes psiquiátricos)


 


Há temas merecedores de debates substantivos, sóbrios e ausentes de corporativismos ou mundividências dogmáticas. A discussão da natureza humana é certamente um desses assuntos e deve, portanto, ser abordada com realismo, sinceridade e sem qualquer espécie de candura que camufle ou distorça, de alguma forma, a essência dicotómica do Homem, onde gravita todo um espectro caracterial entre a pura maldade e a genuína bondade.


Partamos, pois, da elementar assunção de que “a matriz Humana é dicotómica (uma batalha permanente entre pulsões de destruição e construção) ” [1], “a maldade, no sentido da prática de atos hediondos e desumanos, não é condição sine qua non de qualquer perturbação psiquiátrica” [2] (de outra forma, não precisaríamos de prisões mas apenas de instituições psiquiátricas) e que “é fazendo uso inconsciente da propriedade humana da empatia que as leis e a sua gradação punitiva são estabelecidas [3]

A adequada e proporcional responsabilização desde tenra idade (por exemplo, os pais privarem um filho de videojogos durante um determinado período de tempo caso tarefas escolares elementares não sejam cumpridas) são fundamentais para a educação do ser humano e os alicerces imprescindíveis para a edificação de uma sociedade civilizada, solidária e pacífica. Acresce que a punição da prevaricação, com a devida proporcionalidade, durante toda a vida continua a ser fundamental para a harmonia comunitária. Claro que não deve ser esquecida a responsabilidade da sociedade civil e das demais instituições (governamentais e outras) na proteção e vigilância adequada dos mais frágeis, procurando prevenir, na medida do possível, o desenvolvimento de traços caracteriais que potenciem a criminalidade. Porém, considerando a natureza humana dicotómica, mesmo fazendo tudo para o evitar, a perversidade inata pode, em muitos casos, ser inevitável e irreversível.

Vários países contemplam, com variantes, regimes de prisão perpétua [4]. Porém, em Portugal essa modalidade penal é sempre apresentada como um retrocesso civilizacional. Penso que, a este propósito, e atendendo ao descrito acima, há dois ingénuos equívocos que importa clarificar:
1) a maldade pura de um ser humano existe, ou seja, há pessoas “normais” (sem qualquer patologia psiquiátrica, sem antecedentes traumáticos desenvolvimentais e com condições socioeconómicas confortáveis) que retiram genuíno prazer em incutir de forma gratuita sofrimento aos outros;
2) os seres humanos ávidos e felizes praticantes de atrocidades criminais não são todos “recuperáveis”.

A História da Humanidade, as nossas experiências pessoais e várias atividades profissionais (como a psiquiatria, a magistratura, a polícia, etc.) revelam por diversas vezes algumas das nossas facetas mais tenebrosas.

Assim, ser a favor ou contra regimes de prisão perpétua não me parece, em primeiro lugar, ser uma questão ideológica (de direita ou de esquerda), pelo que é absurdo quando o debate é colocado nesses termos. Em segundo lugar, o tema deve ser discutido de forma sóbria, realista, sem tabus, com a consciência da dicotomia da natureza humana, da irreversibilidade das vidas ceifadas (e do sofrimento dos entes-queridos) e da imperiosidade de determinar a proporcionalidade jurídica adequada de uma sentença de quem, sem qualquer tipo de remorsos, assassina inocentes (uma única vez ou de forma reiterada e indiscriminada).

Qual seria a pena adequada para o Adolph Hitler? Uma pena máxima (sem prisão perpétua e com possibilidade de ser libertado antecipadamente por bom comportamento), prisão perpétua com possibilidade de liberdade condicional após um período mínimo de cumprimento de pena de prisão ou prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional?

Por último, em Portugal a prisão perpétua é inconstitucional, mas continua a ser possível (à data de hoje – 11/01/2022) um doente psiquiátrico em cumprimento de uma medida de segurança, e sob o pressuposto de perigosidade, continuar "preso" indefinidamente. Contudo, um criminoso sem doença psiquiátrica, mesmo sendo considerado perigoso quando termina o tempo de prisão a que foi sentenciado, tem de ser obrigatoriamente libertado…

[1] Luís Fonseca. A inevitabilidade da dicotomia humana. Gazeta Vimaranense Duas Caras. 16/04/2017
[2] Luís Fonseca. Maldade vs. Doença. Gazeta Vimaranense Duas Caras. 21/05/2017
[3] Luís Fonseca. A Empatia da Justiça. Gazeta Vimaranense Duas Caras. 25/06/2017
[4] Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar. Folha informativa | AR/DIC/DILP/52. Pena Perpétua. Países do Conselho da Europa. 19/11/2020

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