Incompetência + Facilitismo = Tragédia
https://observador.pt/opiniao/incompetencia-facilitismo-tragedia/
Quero começar por afirmar o evidente: se até de doenças para as quais
existem vacinas e tratamentos se morre, com a COVID19, mesmo que todos (autoridades
e cidadãos) tivessem adoptado com rigor as medidas adequadas, seriam
inevitáveis mortes. Contudo, desde pelo menos Junho de 2020, deixou de ser
admissível a retórica da imprevisibilidade e do desconhecimento do vírus para
justificar aos mais incautos determinadas incompetências trágicas.
Ignorando que a existência do vírus era conhecida desde pelo menos
Dezembro de 2019, e “dando de barato” os meses de Março, Abril e Maio de 2020, em
Junho já existiam vários dados importantes acerca do comportamento deste
microrganismo e de como mitigar a sua propagação, nomeadamente: a necessidade do
uso generalizado de máscaras, do distanciamento social, da limitação de
contactos, da climatização e arejamento adequado dos espaços fechados, da desinfecção
recorrente das mãos e superfícies e das medidas de etiqueta respiratória. Era,
também, conhecido que o Sars-Cov-2 induzia quadros clínicos graves
predominantemente em grupos de risco específicos (pessoas com morbilidades e
idosos). No que diz respeito às crianças e aos adolescentes, existiam indícios
de que se poderia estar a desvalorizar o seu papel na transmissão viral,
sobretudo porque sendo maioritariamente assintomáticas estas faixas etárias não
eram muitas vezes identificadas como a origem do surto familiar ou comunitário.
Por último, a comunidade científica, mediante a mais que provável indisponibilidade
de um tratamento ou vacina, demonstrava já sérias preocupações com o
Outono/Inverno e alertava os países para a necessidade de planearem
adequadamente esse período. Perante todo este conhecimento, o que se fez? Planeou-se
atempada e devidamente o regresso das mais diversas actividades económicas e
sociais, a protecção dos grupos de risco e a organização do sistema de saúde
para responder ao cenário previsível? Apostou-se num discurso de contínuo
alerta de forma a que as medidas de prevenção de contágios se tornassem um
hábito e assim se minimizasse o impacto sanitário e socioeconómico? Não. Assistimos,
antes, a várias situações deploravelmente populistas, ziguezagueantes e
promotoras do facilitismo. Bateram-se palmas demagogas aos operários da saúde,
falou-se em milagres, premiaram-se operários da saúde com jogos inúteis, confessou-se
que não se esperava um agravamento da situação epidemiológica (https://www.dn.pt/poder/marcelo-esperava-por-100-casos-ou-menos-por-dia-no-inicio-de-setembro-12639237.html),
afirmou-se que não se viu nada de especialmente grave em situações de incumprimento
das orientação das autoridades (https://www.publico.pt/2020/10/26/desporto/noticia/graca-freitas-nao-viu-situacoes-catastroficas-portimao-1936811),
continuou-se a não dar a resposta exigível aos doentes não COVID ou
relativizou-se a morte de vários idosos num lar por aparente negligência
grosseira.
Por fim, no período pré-Natal, acontece o impensável. Reitero, ocorreriam
sempre mortes por COVID19. Porém, o cenário epidemiológico e clínico existente
à data possibilitava o alívio de medidas restritivas, sobretudo quando essa
suavização ocorreria num período que, salvo um milagre, redundaria inevitavelmente
num maior número de mortos? Fazer-se o possível para o evitar (autoridades e
cidadãos) ou baixar conscientemente a guarda, desprezando vidas, é a mesma
coisa? Aqui (https://milnovecentosesetentaeoito.blogspot.com/2020/12/mudar-para-ficarmos-melhor.html)
e aqui (https://observador.pt/opiniao/a-democracia-esta-sob-ataque/)
já discorri acerca de atributos culturais lusitanos reveladores de um diminuído
altruísmo. Desta forma, as autoridades, nas suas decisões, deviam ter sempre em
conta tais características e não presumir, ou tentar convencer-nos com elogios
chauvinistas parolos e anacrónicos, que somos aquilo que não somos. De 16 a 23
de Dezembro de 2020 morreram 610 pessoas com COVID19 (dados da DGS – https://covid19.min-saude.pt/relatorio-de-situacao/),
o que corresponde a uma média de 76 mortes por dia e 3 por hora. Decisão?
Aliviaram-se as medidas restritivas no Natal e Ano Novo sob um “compromisso de
confiança” com os portugueses… Um “risco calculado”, como ouvi dizer. Mas o que
é que isto significa perante a mortalidade COVID actual, a saturação do sistema
de saúde a que assistimos e a desmarcação de tratamentos a doentes prioritários
com outras patologias, colocando-os em risco de vida (por incapacidade do SNS e
preconceito ideológico)? Que valeu a pena não privar a população de adiáveis convívios
e repastos familiares (risco-benefício)?
Há sempre tanta (e, obviamente, legítima) repulsa e veementes protestos
públicos perante a possibilidade de legalizar a decisão consciente de um
indivíduo [numa condição facilmente reconhecida por quem não esteja privado de
empatia como incompatível com viver dignamente (diferente de permanecer vivo)] solicitar
ajuda para abandonar a Existência, e nenhuma ou escassa indignação com a morte
de pessoas frágeis por indevido planeamento das autoridades, escassa cautela
alheia e deficiente assistência e/ou proteção. Assustador…